11 de Agosto de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS
TERRITÓRIOS
Órgão 7ª Turma Cível
Processo N. APELAÇÃO CÍVEL XXXXX-14.2016.8.07.0020
LUCIMAR DIAS GODRIM PEREIRA,MARCELO SEBASTIAO
APELANTE (S) PEREIRA,ALVORADA EMPREENDIMENTOS E PARTICIPACOES S/A e
TGMB 040 EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S.A (ATUAL MB
ENGENHARIA SPE 040 S/A)
ALVORADA EMPREENDIMENTOS E PARTICIPACOES S/A,TGMB 040
APELADO (S) EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S.A (ATUAL MB ENGENHARIA SPE
040 S/A),LUCIMAR DIAS GODRIM PEREIRA e MARCELO SEBASTIAO
PEREIRA
Relator Desembargador FÁBIO EDUARDO MARQUES
Acórdão Nº 1302324
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL.
ATRASO NA ENTREGA. CULPA DO PROMITENTE VENDEDOR. CLÁUSULA PENAL.
CUMULAÇÃO COM LUCROS CESSANTES. IMPOSSIBILIDADE. RESP 1.635.428/SC E
1.498.484/DF (TEMA 970). DANO MORAL. NÃO CABIMENTO.
1. Descumprido o prazo para entrega de imóvel objeto da avença, privilegia-se a incidência da cláusula penal estipulada para essa hipótese, cuja natureza precipuamente indenizatória não é cumulável com
lucros cessantes ou danos emergentes. Isso em consonância com o julgamento dos Recursos Especiais 1.635.428/SC e 1.498.484/DF, sob o regime dos recursos repetitivos, oportunidade em que o Superior Tribunal de Justiça fixou a tese de que “a cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo,
afasta-se sua cumulação com lucros cessantes”.
2. Apelações conhecidas e providas em parte.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores do (a) 7ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios, FÁBIO EDUARDO MARQUES - Relator, GETÚLIO MORAES
OLIVEIRA - 1º Vogal e LEILA ARLANCH - 2º Vogal, sob a Presidência da Senhora
Desembargadora GISLENE PINHEIRO, em proferir a seguinte decisão: CONHECIDOS.
PARCIALMENTE PROVIDOS. UNÂNIME., de acordo com a ata do julgamento e notas
taquigráficas.
Brasília (DF), 18 de Novembro de 2020
Desembargador FÁBIO EDUARDO MARQUES
Relator
RELATÓRIO
Cuida-se de apelações da sentença proferida na ação ajuizada por Marcelo Sebastião Pereira e
Lucimar Dias Godrim Pereira em face MB Engenharia SPE 040 S.A . e Alvorada
Empreendimentos e Participações S.A.
Adoto, em parte, o relatório da r. sentença[1]:
Narram as partes autoras que firmaram com a parte ré cessão de direitos do contrato de promessa de
compra e venda do imóvel nº 1108 do empreendimento “DF Century Plaza”, situado em Águas
Claras/DF.
Aduziram que o prazo para a entrega do imóvel seria no dia 30/10/13, contudo, até o ajuizamento da
demanda, as chaves ainda não haviam sido entregues.
Acrescentaram que houve o adimplemento parcial da indenização pelo atraso.
Desta forma, requereram: a) a indenização prevista na cláusula 5.1; b) lucros cessantes; c) danos
morais.
Ao cabo, o juízo a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos para condenar as rés ao pagamento da multa prevista na 7.1.1 do contrato, no período de 28.04.14 a 21.03.17; bem assim ao pagamento de compensação por dano moral, no importe de R$ 5.000,00 para cada autor.
Recorrem ambas as partes.
Os autores [3] afirmam que a multa contratual deve incidir a partir de 30.10.2013, término do prazo de tolerância para a entrega do imóvel, e não 28.04.2014, como assentado na sentença. Sustentam a
possibilidade de cumulação dos lucros cessantes com a multa moratória, ao argumento de que esta
possui natureza penal, ao passo que aqueles são de natureza patrimonial. Aduzem a possibilidade de
aplicação da cláusula penal, por reversão, na ordem de 2%, por haver cominação contratual apenas em desfavor do adquirente; ou outra de 1.5%, que representa a diferença entre as cominações apresentadas no contrato impugnado.
Requerem o provimento do recurso para reformar a r. sentença, a fim de acolher os argumentos
supramencionados.
As rés[4] alegam a ocorrência de caso fortuito e força maior para afastar a responsabilidade pelo atraso na entrega do imóvel. Anotam que a cláusula 7.1.1 exime a construtora do pagamento da multa
moratória na hipótese de caso fortuito. Subsidiariamente, defendem que o termo final da indenização é a data da averbação do habite-se e não a data da entrega das chaves, uma vez que o saldo devedor do
imóvel foi quitado mediante financiamento bancário. Por fim, asseveram a inexistência de dano moral. Pedem a reforma da decisão nestes pontos.
Contrarrazões dos autores[5], suscitando violação ao princípio da dialeticidade, o que as rés refutam
após intimadas[6].
Contrarrazões das rés[7] pelo não provimento do recurso adverso.
É o relatório.
[1] Id. XXXXX.
[2] Id. XXXXX.
[3] Id. XXXXX.
[4] Id. XXXXX.
[5] Id. XXXXX.
[6] Id. XXXXX.
[7] Id. XXXXX.
O Senhor Desembargador FÁBIO EDUARDO MARQUES - Relator
Do conhecimento.
Não há falar em desrespeito ao princípio da dialeticidade, porque as rés-apelantes indicaram as razões de
seu inconformismo, trazendo impugnação específica e pedido de reforma da decisão apelada.
De fato, as rés-apelantes trazem argumentos para afastar a condenação imposta, ao discorrerem sobre a
exclusão de responsabilidade configurada pela ocorrência de caso fortuito e força maior, bem assim sobre
a inocorrência de dano moral. Logo, restou atendido o princípio da dialeticidade.
Ademais, de acordo com a jurisprudência do STJ, a simples reiteração de peças processuais não impede o
conhecimento da apelação, senão vejamos o precedente:
[...] 1. Esta Corte possui entendimento assente de que, não obstante a legislação processual exija que a
apelação contenha os fundamentos de fato e de direito, a parte não fica impedida de reiterar os
fundamentos expendidos na inicial ou em outras peças processuais se estas forem suficientes para
demonstrar os motivos da irresignação do insurgente, bem como do possível desacerto da decisão que se
pretende desconstituir/modificar (AgRg no AgRg no REsp. 1.309.851/PR, Rel. Min. MARCO BUZZI,
DJe 19.9.2013). (...) 4. Agravo Regimental dos Servidores desprovido. (AgRg no AREsp 272.809/SP,
Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 22/09/2016, DJe 10/10/2016)
Dito isso, presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço das apelações interpostas.
Do recurso dos autores.
A matéria devolvida diz respeito ao termo inicial e ao percentual da multa moratória, bem como ao
cabimento da incidência de cláusula penal cumulada com lucros cessantes.
Com efeito, a cobrança da multa contratual cumulada com indenização por lucros cessantes foi matéria objeto do recente julgamento dos REsp 1.635.428/SC e 1.498.484/DF, sob o rito dos recursos repetitivos, pela Segunda Seção do col. Superior Tribunal de Justiça, oportunidade em que fora fixada a seguinte tese jurídica: “A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes ”.
Desse modo, existindo cláusula penal que prefixe a indenização, não há cogitar de posterior cumulação
com lucros cessantes, em alinho ao entendimento assentado pela Corte Superior, sob pena de
enriquecimento indevido.
Aliás, do paradigma acima, extrai-se a compreensão dada no voto condutor do Ministro Relator, no
sentido de que deve, em regra, prevalecer a cláusula penal moratória convencionada entre as partes, para
fins de prefixação dos danos regulares pelo descumprimento do contrato.
Confira-se o trecho:
Nessa hipótese, em nome da própria preservação da segurança jurídica, à luz do disposto no art. 416 do
CC, não parece que ambas as partes da relação contratual possam sempre simplesmente ignorar a cláusula penal moratória convencionada, prefixando os danos regulares do cumprimento imperfeito da obrigação, visto que "a segurança das relações jurídicas depende da lealdade, da equivalência das prestações e
contraprestações, da confiança recíproca, da efetividade dos negócios jurídicos, da coerência e
clarividência dos direitos e deveres" (RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2004, p. 32).
A propósito, o Enunciado n. 412 da V Jornada de Direito Civil do CJF preconiza que as diversas
hipóteses de exercício inadmissível de uma situação jurídica subjetiva, tais como supressio, tu quoque,
surrectio e venire contra factum proprium, são concreções da boa-fé objetiva.
Além disso, o art. 187 do Código Civil estabelece que comete ato ilícito o titular de um direito que, ao
exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Seguindo esse entendimento, em se tratando, como no presente caso, ainda que de incontroverso contrato de adesão, mas sem demonstração de dano
especial, além daqueles regularmente esperados da inadimplência, não poderia a promitente vendedora
(incorporadora) simplesmente requerer indenização suplementar àquela estabelecida no instrumento
contratual que redigiu.
Daí, cabível somente a cláusula penal prevista na cláusula 7.1.1, a qual prevê a aplicação de multa
moratória à construtora de 0,5% do preço do imóvel[1]. Confira-se:
CLÁUSULA SÉTIMA – DO PRAZO DA OBRA E DA VISTORIA PRÉVIA
[...]
7.1.1. De outra parte, fica expressamente convencionado que, ressalvada a ocorrência de força maior, se o atraso na entrega do IMÓVEL, nas condições definidas no presente Contrato, exceder a tolerância
estabelecida na cláusula anterior, por razões imputáveis à VENDEDORA, será devido ao (s)
ADQUIRENTE (S) a indenização mensal no valor correspondente a 0,5% (meio por cento) do preço do
IMÓVEL, atualizado monetariamente na forma deste Contrato.
De todo modo, não prospera o argumento para alterar o percentual da multa moratória, porquanto, ao
contrário do afirmado pelos autores-apelantes, havia cláusula penal direcionada à construtora, consoante demonstra o dispositivo supramencionado, o qual, inclusive, embasou a procedência parcial dos pedidos iniciais.
Assim, a condenação deve ser calculada a partir de 27.10.2013 e não 28.04.2014, como assentado na
sentença vergastada.
Do recurso das rés.
As rés-apelantes alegam a ocorrência de caso fortuito e força maior para afastar a responsabilidade pelo
atraso na entrega do imóvel. Insurgem-se, ainda, quanto ao termo final da indenização, além da
compensação por dano moral.
Incontroverso o inadimplemento contratual do promitente vendedor, consubstanciado no atraso
injustificado na entrega de imóvel, certo de que ocorrência relacionada a clima, mão-de-obra , insumo
para construção, crise econômica, dificuldade na expedição do “habite-se”, ou outro fato previsível e
inserido no risco da atividade, deve ser considerado ao anunciar o empreendimento. Em regra, as
intercorrências inerentes à construção de um empreendimento imobiliário não se enquadram como
fortuito externo, pois constituem risco da própria atividade. Assim, não há cogitar-se de fato inevitável
como causa excludente da responsabilidade do fornecedor.
Em relação à multa, trata-se a hipótese de aplicação de cláusula penal conforme previsão contratual, em
termos claros elaborados pela própria promitente vendedora, condicionada à ocorrência de atraso na
construção e entrega da unidade.
Portanto, como a cláusula foi inserida no contrato de adesão pela própria promitente vendedora, não lhe
socorre a pretensão de exclusão da penalidade, devendo ser mantida a previsão contratual livremente
pactuada, uma vez não configurado caso fortuito ou força maior, consoante exposto.
Adiante, não se sustenta a alegação de que o termo final da indenização deve ser a data de averbação do
habite-se e não da entrega das chaves.
Isso porque “o termo final de inadimplência da construtora deve ser a efetiva entrega do imóvel, através do repasse das chaves, e não a expedição ou averbação da carta de habite-se. O consumidor não tem
disponibilidade da unidade antes do seu real recebimento, sendo este o termo final para a mora das
empresas rés” (APC XXXXX-62.2016.8.07.0001, Rel. Des. Hector Valverde, 5ª Turma Cível, julgado em 13/5/2020, PJe 21/5/2020).
Outrossim, as rés-apelantes não se desincumbiram do ônus da prova de que o imóvel se encontrava à
disposição do consumidor desde a expedição da carta de habite-se e/ou que eventual impedimento na
entrega do imóvel decorreu de culpa exclusiva dos autores-apelados (artigo 373, II, do CPC).
Quanto ao dano moral , importa acentuar que, atingido o direito da personalidade diretamente, o dano
moral ( puro ou direto ) estará vinculado à própria existência do fato (in re ipsa), cujos resultados são
presumidos, ao contrário de quando é atingido o direito da personalidade mediante lesão a bens de
natureza patrimonial ( dano moral impuro ou indireto ).
Além disso, em regra, o imperfeito cumprimento de contrato, por si só, não ocasiona o direito de
reparação por dano moral , pois o inadimplemento, total ou parcial, constitui fato que pode ocorrer na
vida em sociedade, e que não importa ofensa à dignidade humana. Nada mais que um dissabor que pode ou não ocorrer no trato comercial, diante de negócios ou interesses frustrados ou retardados.
Assim, necessário haver ofensa anormal à personalidade para configurar o dano moral, não bastando,
como dito, o inadimplemento de contrato ou dissabor dele decorrente.
[...] 2. A jurisprudência desta Corte entende que o simples inadimplemento contratual não gera, em regra, danos morais, por caracterizar mero aborrecimento, dissabor, envolvendo controvérsia possível de surgir em qualquer relação negocial, sendo fato comum e previsível na vida social, embora não desejável nos
negócios contratados. [...] 5. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1.476.632/SP, Rel. Ministro
Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 17/08/2017, DJe 08/09/2017)
In casu, nenhum fato excepcional foi demonstrado para ensejar compensação pecuniária por dano
moral. Isso considerando que os autores-apelados fundamentam o referido dano na excessiva demora na entrega do imóvel, circunstância, pois, desinente do próprio inadimplemento.
Destarte, a r. sentença deve ser reformada no particular.
Da conclusão do julgamento.
Ante o exposto, a r. sentença deve ser reformada, em parte, para corrigir o termo inicial da cláusula penal, a qual deve incidir a partir de 27.10.2013 até 21.03.2017, bem como julgar improcedente o pedido de
compensação por dano moral.
Dou parcial provimento à apelação dos autores.
Dou parcial provimento à apelação das rés .
Em decorrência, redistribuo os ônus sucumbenciais, de modo que os autores devem arcar com o
pagamento de 75% da sucumbência e as rés com os 25% restantes.
É como voto.
[1] Id. XXXXX – p. 10.
[2] Id. XXXXX – p. 4.
O Senhor Desembargador GETÚLIO MORAES OLIVEIRA - 1º Vogal
Com o relator
A Senhora Desembargadora LEILA ARLANCH - 2º Vogal
Com o relator
DECISÃO