2 de Julho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS
TERRITÓRIOS
Órgão 2ª Turma Criminal
Processo N. APELAÇÃO CRIMINAL 0000488-26.2018.8.07.0010
APELANTE (S) SAMUEL GOMES DE LIMA
APELADO (S) MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
Relator Desembargador JAIR SOARES
Acórdão Nº 1316653
EMENTA
Violência doméstica. Ameaça. Embriaguez. Tipicidade. Circunstâncias do crime: crime cometido na presença de filhos menores. Pena-base. Fração de aumento.
1 - Nos crimes cometidos em situação de violência doméstica e familiar, a palavra da vítima tem
especial relevância, sobretudo quando corroborada pelas demais provas dos autos – depoimento de
testemunha e confissão extrajudicial do acusado.
2 - A conduta consistente em ameaçar a vítima de morte, intimidando-a e causando-lhe temor, é
suficiente para caracterizar o crime de ameaça.
3 - A embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substâncias de efeitos análogos, não exclui a imputabilidade (art. 28, II, do CP). O ânimo alterado do agente em virtude de embriaguez não exclui o dolo nem o isenta de pena.
4 - Se a ameaça foi cometida na presençade filhos menores, justifica-se a valoração negativa das
circunstâncias do crime.
5 - Predomina no e. STJ e neste Tribunal o entendimento de que o aumento da pena para cada
circunstância judicial negativa deve ser de 1/6. Aumento em fração superior exige fundamentação
concreta que, inexistente, deve ser reduzida a pena-base.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores do (a) 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios, JAIR SOARES - Relator, ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO - 1º Vogal e ROBERVAL CASEMIRO BELINATI - 2º Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador
ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, em proferir a seguinte decisão: DAR PARCIAL
PROVIMENTO. UNÃNIME., de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 04 de Fevereiro de 2021
Desembargador JAIR SOARES
Relator
RELATÓRIO
Samuel Gomes de Lima apela da sentença que o condenou à pena de 1 mês e 18 dias de detenção, em regime aberto, substituída por restritiva de direitos, pelo crime do art. 147, caput, do CP – ameaça no
âmbito doméstico e familiar.
Sustenta que atípica a conduta. A promessa de causar mal injusto, feita em estado de embriaguez, não caracteriza o crime.
E não há provas suficientes de que o crime foi cometido na presença dos filhos menores.
Contrarrazões apresentadas (ID 21716923). A d. Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento
do recurso (ID 21875844).
VOTOS
O Senhor Desembargador JAIR SOARES - Relator
Segundo a denúncia, o acusado, em 11.2.18, ameaçou sua ex-companheira, por palavras, de causar-lhe mal injusto e grave, fazendo com que ela temesse por sua vida (ID 2176840).
As minudências do “iter crimins” podem ser bem visualizadas nas declarações da vítima, na
delegacia, quando disse que estava na casa da irmã do acusado quando ele chegou no portão e pediu
para chamá-la. Recusou-se a conversar com ele diante do estado de embriaguez, mas franqueou o
contato dele com as filhas em comum, intermediado pelo cunhado do acusado.
dizendo que “iria matá-la, que ficaria na frente da casa até a declarante sair”. Ele permaneceu em
frente à casa por, aproximadamente, duas horas. Então, chamaram a polícia (ID 21716841, p. 5)
E, em juízo, ela confirmou que o acusado esteve em frente à residência onde a vítima se encontrava e pediu para ver as filhas. O cunhado do acusado levou as crianças até ele. Depois de um tempo, o
acusado pediu para conversar com a vítima e ficou alterado. Disse que só sairia do local após matar a vítima. Pediu ajuda da Polícia Militar porque o acusado não saía de frente da casa (ID 21716901).
O cunhado do acusado, na delegacia, disse que o acusado já havia tentado matar a vítima - sua
ex-companheira - em data anterior. No dia dos fatos, ele a ameaçou dizendo que “na hora que ela
saísse no portão ele iria matar ela”. Permaneceu em frente à casa por tempo considerável e afirmou
que “só sairia de lá depois de fazer alguma merda com sua ex-companheira”. Disse que “pode ser
preso, mas quando sair irá matar ela” (ID 21716841, p. 4).
Em juízo, disse que o acusado chegou embriagado e pediu para ver as filhas. Após vê-las, quis
conversar com a vítima. Alterado em razão de ter consumido bebida alcoólica e substância
entorpecente, referindo-se à vítima disse que “uma hora ela ia sair e que se saísse ele ia matar” (ID
21716902).
Os policiais militares que atenderam ao chamado disseram, na delegacia, que a vítima afirmou ter sido ameaçada de morte pelo ex-companheiro, versão confirmada pelo cunhado. Encontraram o acusado,
que informou ter discutido com a vítima, pois ela o estaria impedindo de ficar com os filhos no dia
dos fatos (ID 21716841, p. 2/3).
Na delegacia, o acusado confessou que ameaçou sua ex-companheira pois ela não queria deixá-lo ver suas filhas (ID 21716841, p. 6).
Em juízo, exerceu seu direito de permanecer em silêncio (ID 21716883).
Nos crimes cometidos em situação de violência doméstica e familiar, a palavra da vítima tem especial relevância, sobretudo quando corroborada pelas demais provas dos autos.
Esse o entendimento do e. STJ e do Tribunal:
“(...) 3. A jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que, em se tratando de crimes praticados no âmbito doméstico, a palavra da vítima tem valor probante diferenciado, desde que corroborada por outros elementos probatórios, tal como ocorrido na espécie. (...) 5. Agravo regimental a que se nega
provimento”. ( AgRg no AREsp 1495616/AM, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado
em 20/08/2019, DJe 23/08/2019);
“(...) 1. Nos crimes em contexto de violência doméstica contra a mulher, a palavra da vítima
reveste-se de especial relevo, mormente quando corroborada por outros elementos de convicção,
mostrando-se inviável o pleito absolutório. 2. Apelo não provido”. (Acórdão 1224349,
20180810039703APR, Relator: Des. J.J. Costa Carvalho, 1ª Turma Criminal, data de julgamento:
19/12/2019, publicado no DJE: 22/1/2020. Pág.: 129-143);
“(...) 1. Em crimes praticados no âmbito doméstico e familiar, a palavra da vítima assume especial
relevância, pois normalmente são cometidos longe de testemunhas oculares, aproveitando-se o agente do vínculo que mantém com a ofendida. (...)” (Acórdão 1224210, 00077042420168070005, Rel. Des. Roberval Casemiro Belinati, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 12.12.2019, publicado no PJe:
15.1.2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.).
As ameaças do acusado foram suficientes para incutir medo na vítima, tanto que essa chamou a
polícia, registrou ocorrência policial e pediu medidas protetivas (ID 21716841, p. 9).
A conduta do réu - intimidar a vítima, causando-lhe temor -, é suficiente para caracterizar ameaça de mal injusto e grave.
Esse o entendimento do Tribunal:
“(...) 1. Mantém-se a condenação do apelante pelo crime de ameaça no âmbito de violência doméstica e familiar quando as declarações da ofendida, tanto na delegacia como em juízo, são harmônicas em
demonstrar que o réu ameaçou causar-lhe mal injusto e grave.
2. Se a conduta do acusado incutiu na vítima real temor e intimidação, resta configurado o crime de
ameaça.
(...) 6. Recurso conhecido e parcialmente provido”.
(Acórdão n. 1179371, 20181210030452APR, Relator Des. Carlos Pires Soares Neto, 1ª Turma
Criminal, Data de Julgamento: 30/05/2019, Publicado no DJE: 21/06/2019. Pág.: 91/96).
A embriaguez, voluntária ou culposa, não exclui a imputabilidade (art. 28, II, do CP).
O ânimo alterado do agente em virtude de embriaguez não exclui o dolo nem o isenta de pena.
Apenas a embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, isenta o agente de pena
se, ao tempo da ação ou omissão, era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento (§ 1º).
A simples alegação de que o acusado enfrentava problemas com álcool e substâncias entorpecentes ou que estava sob efeito desses não é suficiente para afastar a responsabilidade penal, sobretudo se não há prova de que ele estava embriagado em razão de caso fortuito ou força maior.
Portanto, o fato não é atípico nem há excludente de culpabilidade.
Nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal:
“(...) 3. A embriaguez, ainda que completa, proveniente da ingestão voluntária de bebida alcoólica ou de substância de efeitos análogos, não exclui a imputabilidade do agente com base no artigo 28, § 1º, do Código Penal, alcançando, apenas, aquele que, por embriaguez completa, proveniente de caso
fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.(...)” (Acórdão
n.1177239, 20160510005489APR, Relator Des. Demetrius Gomes Cavalcanti, 3ª Turma Criminal,
Data de Julgamento: 23/05/2019, Publicado no DJE: 13/06/2019. Pág.: 154/173);
“(...) 3. A embriaguez pelo álcool ou substância análoga, voluntária ou culposa, não exclui a
imputabilidade do agente, nos termos do artigo 28 do Código Penal.(...)”. (Acórdão n.1173375,
20180210010225APR, Relator Des. Roberval Casemiro Belinati, 2ª Turma Criminal, Data de
Julgamento: 23/05/2019, Publicado no DJE: 28/05/2019. Pág.: 6722/6737).
Também não há dúvidas de que os fatos se deram na presença das filhas menores. Enquanto o acusado estava com as filhas, insistiu para que chamassem a vítima e, alterado, ameaçou matá-la quando ela
saísse de casa.
Provado que o réu ameaçou causar mal injusto e grave à vítima, não é caso de absolvição.
A sentença, na primeira fase, considerou negativa as circunstâncias do crime por ter sido cometido na presença das filhas menores. Fixou a pena-base em 1 mês e 18 dias de detenção.
A ameaça à vítima na presença das filhas menores, causando abalo psicológico, justifica a valoração negativa das consequências do crime.
Sobre o tema, julgados do Tribunal:
“(...) IV - A prática de violência doméstica contra a mulher na presença dos filhos menores configura o maior grau de reprovabilidade da conduta do agente e justifica a negativação da circunstância
judicial da culpabilidade e consequente majoração da pena-base. (...)” (Acórdão n.1177105,
20150710033539APR, Relatora Desa. Nilsoni de Freitas Custódio, 3ª Turma Criminal, Data de
Julgamento: 06/06/2019, Publicado no DJE: 11/06/2019. Pág.: 262/276);
“(...) 5. É maior o grau de reprovabilidade da conduta do agente que comete violência doméstica
contra a mulher na frente dos filhos menores do casal, justificando-se a negativação da circunstância judicial da culpabilidade, na primeira fase da dosimetria. (...)” (Acórdão n.1133840,
20150610134756APR, Relator Des. Cruz Macedo, 1ª Turma Criminal, Data de Julgamento:
18/10/2018, Publicado no DJE: 07/11/2018. Pág.: 133/146).
O e. STJ consolidou o entendimento de que se deve adotar a fração de 1/6 da pena mínima em
abstrato por circunstância judicial desfavorável, desde que não haja fundamento para aumento em
fração superior. Confira-se:
“(...) O entendimento desta Corte firmou-se no sentido de que, na falta de razão especial para afastar esse parâmetro prudencial, a exasperação da pena-base, pela existência de circunstâncias judiciais
negativas, deve obedecer a fração de 1/6 sobre o mínimo legal, para cada vetorial desfavorecida. (...)” (STJ, HC 479453/MS, Relator Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, Data de julgamento:
14.5.19, Publicado no DJe: 23.5.19);
“(...) anote-se que a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é firmada no sentido de que é
proporcional a fração de 1/6 (um sexto) para cada vetorial negativa considerada no cálculo da
pena-base. Precedentes. (...)” (STJ, AgRg no AREsp 1408536/TO, Relator Min. Antônio Saldanha
Palheiro, 6ª Turma, Data de julgamento: 19.3.19, Publicado no DJe: 3.4.19).
Daí por que se recomenda seja observada essa fração. A proporção de 1/6 da pena mínima cominada para o crime de ameaça equivale a 5 dias.
A sentença elevou a pena em 18 dias por uma circunstância judicial valorada negativamente. O
aumento foi excessivo. Fixo a pena-base em 1 mês e 5 dias de detenção.
Presentes a agravante da violência doméstica (art. 61, II, f, do CP) e atenuante da confissão
espontânea (confissão extrajudicial), a sentença as compensou e manteve a pena intermediária como fixada na primeira fase. À míngua de causas de aumento ou diminuição, torno definitiva a pena de 1 (um) mês e 5 (cinco) dias de detenção.
O regime prisional é o aberto, nos termos do art. 33, § 2º, c, e § 3º, do CP.
Entretanto, substituída a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos – limitação de fim
de semana com a obrigatoriedade de frequentar programa educativo de acompanhamento psicossocial, inclusive para tratamento da dependência de substâncias entorpecentes (ID 21716893, p. 13) -,
benéfica ao acusado e sem recurso da acusação, mantenho em observância à proibição de reforma para piorar a situação do acusado.
Nos termos da Portaria Conjunta 60, de 9 de agosto de 2013, do TJDFT, condenação por crime de
ameaça não gera inelegibilidade.
Dou provimento, em parte, e reduzo a pena para 1 (um) mês e 5 (cinco) dias de detenção, em regime
aberto.
O Senhor Desembargador ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO - 1º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador ROBERVAL CASEMIRO BELINATI - 2º Vogal
Com o relator
DECISÃO
DAR PARCIAL PROVIMENTO. UNÃNIME.