11 de Agosto de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS
TERRITÓRIOS
Órgão 2ª Turma Criminal
Processo N. HABEAS CORPUS CRIMINAL XXXXX-28.2021.8.07.0000
PACIENTE (S) LUCAS TEIXEIRA GOMES DA SILVA e PAULO RICARDO OMODEI
SILVA
IMPETRANTE (S) PAULO JOSE GUIMARAES SANTOS
AUTORIDADE (S) 3ª VARA CRIMINAL DE BRASÍLIA
Relator Desembargador JAIR SOARES
Acórdão Nº 1323094
EMENTA
Prisão preventiva. Estelionato contra idoso. Garantia da ordem pública e aplicação da lei penal.
1 - A gravidade concreta do crime, evidenciada pela ousadia, premeditação e articulação da fraude
empregada contra vítima idosa, causando-lhe prejuízos de mais de R$ 13.000,00, e os indícios de que os pacientes, que residem em outro estado da Federação, aplicam o golpe em várias cidades do País, vindo ao Distrito Federal para tanto, justificam a prisão preventiva para garantia da ordem pública e aplicação da lei penal.
2 - Em face da gravidade concreta do crime, são inadequadas ou insuficientes medidas cautelares
diversas da prisão.
3 – Ordem denegada.
ACÓRDÃO
CORPUS E DENEGAR A ORDEM. UNÂNIME., de acordo com a ata do julgamento e notas
taquigráficas.
Brasília (DF), 11 de Março de 2021
Desembargador JAIR SOARES
Relator
RELATÓRIO
Paulo José Guimarães Santos impetra habeas corpus em favor de Lucas Teixeira Gomes da Silva e
Paulo Ricardo Omodei Silva.
Sustenta que não estão presentes os requisitos da prisão preventiva. A gravidade em abstrato do delito não justifica a prisão cautelar, que só é cabível quando insuficientes medidas cautelares diversas.
E o cumprimento da pena só é possível com o trânsito em julgado da ação penal condenatória.
Os pacientes são primários, têm bons antecedentes, residência fixa e emprego lícito. Não há indícios de que, em liberdade, ponham em risco a instrução criminal, a ordem pública ou a ordem econômica.
Pedem, ainda, seja atribuído efeito suspensivo ao presente writ, a fim de que seja suspensa a decisão
que manteve a custódia cautelar dos pacientes.
Liminar indeferida (ID XXXXX). A d. Procuradoria de Justiça opinou pela denegação da ordem (ID XXXXX).
VOTOS
O Senhor Desembargador JAIR SOARES - Relator
Pede o impetrante seja suspensa a decisão que manteve a prisão cautelar.
Não há efeito suspensivo em habeas corpus. Efeito suspensivo é próprio de alguns recursos, que
impede que a decisão impugnada no recurso seja imediatamente cumprida.
Embora em casos excepcionais admita-se habeas corpus como substitutivo recursal, não é o caso dos autos.
Além disso, a decisão impugnada não teve qualquer caráter mandamental apto a ser suspenso, tão
somente manteve a custódia cautelar dos pacientes -- eventual suspensão dos seus efeitos não
colocaria os pacientes em liberdade provisória.
O que se admite no habeas corpus é a concessão de liminar.
Os pacientes, presos em flagrante em 29.1.21, pelo crime do art. 171, caput, do CP (estelionato),
tiveram a prisão convertida em preventiva em 5.2.21 (autos n. XXXXX-42.2021.8.07.0001, ID
23668416, p. 2/3).
Segundo informações prestadas, foram denunciados pelo crime do art. 171, § 4º, do CP - estelionato
contra idoso -, cuja pena máxima é 10 anos de reclusão (ID XXXXX, p. 3).
A prisão preventiva poderá ser decretada nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos, para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por
conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do
imputado ( CPP, arts. 312 e 313).
Há prova da materialidade e indícios suficientes de autoria. E também presente o periculum libertatis.
Os pacientes foram presos em flagrante por estelionato que teve como vítima idoso. Conseguiram o
cartão bancário dela e realizaram diversos saques e compras, causando-lhe prejuízo de cerca de R$
13.000,00.
Segundo o auto de prisão em flagrante, a vítima recebeu telefonema de mulher que se passava por
funcionária do Banco de Brasília S/A, da “central de segurança”, a fim de que confirmasse suposta
compra efetuada nas Lojas Americanas no valor de R$ 2.375,33.
Ao afirmar que desconhecia a compra, a “funcionária” disse à vítima que ela deveria devolver o cartão ao banco, e que iria providenciar outro para repô-lo. Em razão da pandemia, a “funcionária” informou que outro “funcionário do BRB” iria à residência buscar o cartão da vítima, sendo desnecessário que
ela se dirigisse a uma agência.
Cerca de quinze minutos depois, um dos pacientes compareceu à casa da vítima, em um VW/Fox de
cor vermelha, placa FLF 5828/SP, vestindo roupa social, apresentou identidade funcional na tela do
celular e “recolheu” o cartão bancário da vítima.
Foi a esposa da vítima quem recebeu o paciente e, achando estranho, anotou a placa do veículo. No
dia seguinte, a vítima não conseguia mais ter qualquer acesso à sua conta bancária, razão pela qual
compareceu à delegacia, acreditando ter sofrido um golpe.
A autoridade policial teve acesso às filmagens feitas pelo circuito interno de câmeras da rua da
residência da vítima, bem como dos locais onde foram feitos saques e compras, logrando êxito em
localizar e prender em flagrante os pacientes. Encontraram, no hotel onde estavam hospedados, cerca de R$ 4.000,00 em dinheiro, dois pares de tênis recentemente adquiridos e a bolsa preta usada por um deles no momento do crime, identificada nas imagens do circuito interno de segurança (ID XXXXX).
A prisão preventiva foi decretada para a garantia da ordem pública, tendo em vista a gravidade
concreta da conduta dos pacientes. Consignou o MM. Juiz:
“(...) Debruçando-se detidamente sobre o APF, verifica-se que, embora a autoridade policial tenha
lavrado o documento sob a incidência do art. 171, caput, do CP, o que já autorizaria a conversão do
flagrante em preventiva, posto que a pena máxima em abstrato daquele delito é de 5 (cinco) anos,
percebe-se que a conduta dos autuados melhor se amolda ao art. 171, § 4º, do Código Penal
(estelionato praticado contra idoso), cuja pena máxima em abstrato é de 10 (dez) anos. Noutro giro, no caso em comento, após os relatos dos presos e analisando os elementos concretos existentes nestes
autos, entendo que emergem fundamentos concretos para a manutenção da prisão cautelar dos
indiciados.
A regular situação de flagrância em que foram surpreendidos os autuados torna certa a materialidade delitiva, indiciando suficientemente também sua autoria, ambas mencionadas nos relatos colhidos
neste auto de prisão.
Na hipótese em tela, quanto às condições de admissibilidade da custódia cautelar, o delito imputado, em tese, aos autuados comina abstratamente pena privativa de liberdade máxima maior que 4 (quatro) anos de reclusão (exigência do inciso I, do art. 313, do CPP), sendo que, conforme já dito, trata-se de delito com pena em abstrato que pode chegar a 10 (dez) anos de prisão. E no caso em concreto há
fartos elementos que comprovam que a prisão dos autuados é necessária para a garantia da ordem
pública.
De pronto registre-se que além do Ministério Público, neste ato, a autoridade policial na data de ontem já havia ajuizado representação pela prisão preventiva e/ou medidas cautelares em desfavor dos
autuados (0702649- 87.2021.8.07.0001). Tudo isso porque o modus operandi com que praticado o
delito revela que possivelmente os autuados sejam integrantes de uma organização criminosa tendente a praticar delitos de estelionato contra vítimas, principalmente idosas, utilizando-se de uma sucessão de atos fraudulentos préordenados e organizados que fazem com que o “homem médio” seja
facilmente ludibriado pela ação dos autuados.
Há provas, inclusive, de que os autuados não estão agindo sozinhos em crimes dessa natureza, posto
que a vítima relatou que a primeira ligação que recebeu foi de uma pessoa do sexo feminino (e ambos os autuados são homens) se passando por funcionária da central de segurança do banco BRB (ainda
não se sabe como os autuados descobriram que o casal de idosos, vítimas, eram correntistas do BRB).
Há também, de acordo com o relato das vítimas, outra mulher que atuaria na organização criminosa
supostamente integrada pelos autuados, a qual também teria conversado com as vítimas por telefone. Em seguida, um dos autuados teria ido até a residência da vítima, e inclusive com um suposto crachá virtual do banco BRB, coletado o cartão bancário das vítimas supostamente em favor do
Departamento de Prevenção à Fraudes do Banco BRB.
O prejuízo econômico suportado pelas vítimas, apenas no presente caso, é da ordem de R$ 13.000,00 (treze mil reais), sendo que a prática de crimes dessa natureza, com esse modo sofisticado de atuação está a revelar que possivelmente diversos outros crimes como este já foram praticados pelos autuados, sobretudo porque dificilmente alguém conseguiria realizar um delito dessa natureza e com essa
organização sem que já tivessem vivenciado essa experiência anteriormente. (...)
Ademais, ainda que se tenha como pressuposto que até o momento apenas indícios existem (e não
comprovação) da prática reiterada desses delitos, em liberdade, é evidente que os autuados
encontraram estímulos para continuar a praticar esses delitos, mesmo que outro estado da federação,
posto que ambos declararam ser do estado de São Paulo e afirmaram, neste ato, que apenas estavam
hospedados em hotel aqui no Distrito Federal. Ainda, neste ato, registro que este NAC tentou obter a FAP dos autuados junto ao estado de SP, embora sem sucesso. (...)” (ID XXXXX, p. 2/3).
Os requisitos da constrição cautelar dos pacientes foram reexaminados pelo juiz de origem nos autos da ação penal n. XXXXX-42.2021.8.07.0001, que salientou:
“(...) Por ora, os elementos reunidos apontam que LUCAS e PAULO RICARDO detém posição
relevante na trama. A custodia cautelar, portanto, é indispensável em razão do modus operandi e da
periculosidade em concreto demonstrada pelos denunciados, que atuavam de forma pormenorizada e profissional, encontrando nos idosos as vítimas mais vulneráveis.
importante preservar o curso da instrução processual sem abalos, bem como garantir a aplicação da lei penal.
Nesse cenário, consigno que condições pessoais favoráveis, tais como primariedade, bons
antecedentes e residência fixa, não tem o condão de, por si, desconstituir a custódia processual,
quando presentes os requisitos legais autorizadores.
Da mesma forma, não procede a tese de que, em caso de eventual condenação, será imposto aos réus regime inicial diverso do fechado.
Com efeito, a primariedade não é o único requisito que deve ser examinado na fixação da pena e na
imposição do modo inicial do cumprimento da sanção”. (ID XXXXX, p. 2).
O impetrante não trouxe nenhum fato ou documento novo a indicar que não mais persistem os
motivos da prisão cautelar.
Conquanto o crime tenha sido cometido sem violência ou grave ameaça, as circunstâncias do flagrante e a gravidade concreta da conduta – evidenciada pela ousadia, premeditação e articulação da fraude
empregada contra vítima idosa, em plena pandemia que assola o mundo - justificam a prisão
preventiva para garantia da ordem pública.
Os pacientes vieram de outro estado (São Paulo, onde residem), e, aproveitando-se da vulnerabilidade de pessoas idosas, agiram associados a outras pessoas que ainda não foram identificadas, o que lhes
possibilita continuar aplicando golpes caso venham a ser colocados em liberdade.
Como bem asseverado pela decisão que decretou a prisão preventiva “possivelmente os autuados
sejam integrantes de uma organização criminosa tendente a praticar delitos de estelionato contra
vítimas, principalmente idosas, utilizando-se de uma sucessão de atos fraudulentos préordenados e
organizados que fazem com que o ‘homem médio’ seja facilmente ludibriado pela ação dos autuados.” (ID XXXXX, p. 2/3).
É cada vez mais frequente crimes que tais, que, na maioria, têm como vítimas pessoas idosas, que são ludibriadas em sua boa-fé por criminosos que, a exemplo dos pacientes, fazem desses crimes meio de vida.
E os pacientes agiram durante pandemia que assola o mundo e restringe a circulação de pessoas,
principalmente dos idosos, grupo de risco da Covid-19.
O e. STJ firmou entendimento de que a gravidade concreta da conduta é motivação idônea a
caracterizar o risco à ordem pública - um dos requisitos para se decretar a prisão preventiva (RHC
105.018/MS, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 28/05/2019, DJe
18/06/2019).
Na lição de Basileu Garcia, “para a garantia da ordem pública, visará o magistrado, ao decretar prisão preventiva, evitar que o delinquente volte a cometer delitos, ou porque é acentuadamente propenso às práticas delituosas, ou porque, em liberdade, encontraria os mesmos estímulos relacionados com a
infração cometida” (in Comentários ao Código de Processo Penal, vol. III, p. 169).
Apesar de tecnicamente primário, o paciente Paulo Ricardo Omodei Silva, que tem 23 anos de idade, foi preso em flagrante em 8.4.20, em Salvador – BA, suspeito de cometer o mesmo crime –
estelionato contra pessoa idosa -, tendo sido beneficiado com liberdade provisória sem fiança
(consulta pública ao pje de 2º grau do Tribunal de Justiça da Bahia, em 8.3.21, autos HC n.
IDs XXXXX e XXXXX) e nele, supostamente, desempenham atividade lícita – o que não foi
demonstrado.
E não foi esclarecido o que vieram fazer no Distrito Federal, porque foram à casa da vítima nem a
origem lícita do dinheiro e dos bens apreendidos no quarto de hotel onde estavam hospedados.
Não se pode desconsiderar que não residir no distrito da culpa dificultará o andamento processual,
retardando ou tornando incerta a aplicação da lei penal.
Há, inclusive indícios de que o grupo criminoso age aplicando o mesmo golpe em vários estados da federação.
Ainda que se considere o argumento de que os pacientes são primários, tem residência fixa e trabalho lícito, as condições pessoais favoráveis não são suficientes para, por si, autorizar a revogação da
prisão preventiva.
Esse o entendimento do e. STJ:
“(...) 8. É entendimento do Superior Tribunal de Justiça que as condições favoráveis do paciente, por si sós, não impedem a manutenção da prisão cautelar quando devidamente fundamentada. (...)” ( HC 533.013/SP, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 05/03/2020, DJe
23/03/2020).
Não há desproporcionalidade da medida. A decisão que decretou a prisão está suficientemente
fundamentada em dados concretos que justificam a medida extrema, bem como a insuficiência de
medidas cautelares diversas da prisão.
Presentes os requisitos que autorizam a custódia cautelar – garantia da ordem pública e aplicação da lei penal.
Denego a ordem.
O Senhor Desembargador ROBERVAL CASEMIRO BELINATI - 1º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS - 2º Vogal
Com o relator
DECISÃO
ADMITIR O HABEAS CORPUS E DENEGAR A ORDEM. UNÂNIME.