16 de Agosto de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS
TERRITÓRIOS
Órgão 8ª Turma Cível
Processo N. AGRAVO DE INSTRUMENTO XXXXX-67.2020.8.07.0000
AGRAVANTE (S) RCI BRASIL - PRESTACAO DE SERVICOS DE INTERCAMBIO LTDA.
AGRAVADO (S) DIEGO ALMEIDA LEMOS e MARILDA ALMEIDA LEMOS
Relator Desembargador EUSTAQUIO DE CASTRO
Acórdão Nº 1323815
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. CONTRATO FIRMADO NO EXTERIOR. HOSPEDAGEM. TIME SHARING. COMPETÊNCIA. AUTORIDADE JUDICIÁRIA BRASILEIRA. LEGITIMIDADE PASSIVA. TEORIA DA ASSERÇÃO.
CUMPRIMENTO DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. INVIABILIDADE. DECISÃO
PARCIALMENTE REFORMADA.
1. O contrato de hospedagem por tempo compartilhado ou time sharing consiste em um contrato
inominado, em que o consumidor adquire um título de filiação a um prestador de serviço de hotelaria e realiza um pagamento mensal, recebendo, como contrapartida, o direito de utilizar os serviços da rede hoteleira credenciada, por determinado período de tempo convencionado contratualmente.
2. A autoridade judiciária brasileira mostra-se competente para o processamento e julgamento de lide envolvendo contrato regido por normas consumeristas, quando o consumidor possui residência ou
domicílio no Brasil, ainda que sua celebração tenha ocorrido no exterior.
3. De acordo com o Princípio da Facilitação da Defesa do Consumidor, previsto no artigo 6º, VIII, do Código Consumerista, o consumidor pode propor a ação judicial em seu domicílio, bem como o artigo 22, II, do Código de Processo Civil atribui à autoridade judiciária brasileira a competência para
processar e julgar as ações decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil.
4. De acordo com a Teoria da Asserção, a verificação das condições da ação deve ser realizada com
base nas afirmações contidas na Petição Inicial.
5. A tutela provisória de urgência não pode atingir aqueles que não possuem poderes para o seu efetivo cumprimento.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores do (a) 8ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios, EUSTAQUIO DE CASTRO - Relator, MARIO-ZAM BELMIRO - 1º Vogal e DIAULAS COSTA RIBEIRO - 2º Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador
MARIO-ZAM BELMIRO, em proferir a seguinte decisão: RECURSO CONHECIDO E
PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME. , de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 04 de Março de 2021
Desembargador EUSTAQUIO DE CASTRO
Relator
RELATÓRIO
RCI BRASIL – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE INTERCÂMBIO LTDA. interpôs Agravo de
Instrumento em face de decisão proferida pelo Juízo da Vara Cível da Circunscrição Judiciária do
Guará que, nos autos da Ação de Rescisão Contratual n XXXXX-96.2020.8.07.0014, proposta em seu desfavor por MARILDA ALMEIDA LEMOS e DIEGO ALMEIDA LEMOS , deferiu pedido de
tutela de urgência para autorizar a suspensão do pagamento das parcelas vincendas do contrato firmado entre as partes, a partir de 8/10/2020, data de ajuizamento da ação, sem caracterização de mora, bem
como para obstar a inscrição do nome dos agravados em cadastro de inadimplentes
Fundamentou-se que, diante da inequívoca vontade dos agravados em extinguir o contrato, não se pode impor que continuem a suportar o pagamento de parcelas para a aquisição de um bem que não têm
mais interesse em possuir.
Em suas razões recursais, o agravante preliminarmente alega incompetência do Juízo de origem,
porquanto o contrato foi firmado no exterior.
Argumenta, ainda, ser parte ilegítima para figurar no polo passivo da lide, pois o contrato teria sido
celebrado com empresa distinta da agravante, sendo que esta seria responsável apenas por
disponibilizar hospedagem em rede de hotéis conveniados, sem qualquer ingerência no contrato
firmado com a LEGENDARY GLOBAL DESTINATIONS S/A, única destinatária dos valores pagos pelos agravados.
O pedido de efeito suspensivo foi deferido, ao fundamento de que a agravante não teria condições de
cumprir a tutela provisória de urgência (ID XXXXX).
O agravado apresentou Contrarrazões, pugnando pelo desprovimento do recurso (ID XXXXX).
VOTOS
O Senhor Desembargador EUSTAQUIO DE CASTRO - Relator
Conheço do recurso, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade.
No caso dos autos, os agravados firmaram contrato de afiliação de serviços de hospedagem, como
sócios, em 5/3/2019, com LEGENDARY GLOBAL DESTINATIONS S/A, a fim de obterem,
mediante o prévio pagamento mensal de determinada quantia, a utilização, por específico período de tempo, das acomodações de rede hoteleira indicada. No mesmo momento, foi celebrado com a
agravante avença de intercâmbio nacional e internacional.
Ou seja, foi celebrado um contrato de hospedagem por tempo compartilhado ou time sharing, no qual o consumidor adquire um título de filiação a um prestador de serviço de hotelaria e realiza um
pagamento mensal, recebendo, como contrapartida, o direito de utilizar os serviços da rede hoteleira credenciada, por determinado período de tempo convencionado contratualmente.
Ressalte-se que esse tipo de contrato possui previsão legal, consoante dispõe o artigo 28 do Decreto Federal nº 7.381/2010, como se lê:
"Art. 28.Considera-se hospedagem por sistema de tempo compartilhado a relação em que o
prestador de serviço de hotelaria cede a terceiro o direito de uso de unidades habitacionais por
determinados períodos de ocupação, compreendidos dentro de intervalo de tempo ajustado
contratualmente.
§ 1 Para fins do cadastramento obrigatório no Ministério do Turismo, somente prestador de serviço de hotelaria que detenha domínio ou posse de pelo menos parte de empreendimento que contenha
unidades habitacionais hoteleiras poderá celebrar o contrato de hospedagem por sistema de tempo compartilhado.
§ 2 Os períodos de ocupação das unidades habitacionais poderão ser utilizados pelo próprio
cessionário ou por terceiro por ele indicado, conforme disposto contratualmente.
§ 3 Os períodos de ocupação das unidades habitacionais do sistema de tempo compartilhado
poderão ser representados por unidades de tempo ou de pontos.
§ 4 O período de utilização das unidades habitacionais poderá ser:
I-fixo, quando estipulada data específica para a sua utilização; e
Inicialmente, necessário destacar que a assinatura docontrato no exterior não constitui óbice para o
processamento e julgamento de demanda, no Brasil, acerca de divergências contratuais consumeristas.
Frise-se que, ao contrato em análise, aplicam-se as disposições do Código de Defesa do Consumidor, porquanto, nos termos dos artigos 2º e 3º do Código Consumerista, a agravante é fornecedora de
serviços de hospedagem, enquanto os agravados são os destinatários finais do respectivo serviço.
Assim, de acordo com o Princípio da Facilitação da Defesa do Consumidor, previsto no artigo 6º,
VIII, do Código Consumerista, o consumidor pode escolher o local mais adequado para a propositura da ação judicial.
Além disso, o artigo 22, II, do Código de Processo Civil atribui à autoridade judiciária brasileira a
competência para processar e julgar as ações"decorrentes de relações de consumo, quando o
consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil".
Acrescente-se que a lide não envolve direito real sobre imóvel, mas uma relação obrigacional, motivo pelo qual não incide o disposto no artigo 47 do Código de Processo Civil.
Sobre o tema, veja-se posicionamento desta Egrégia Oitava Turma, in verbis:
"CONSUMIDOR E PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. RESCISÃO CONTRATUAL.
HOSPEDAGEM. INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS. RESTITUIÇÃO INTEGRAL. SENTENÇA.
NULIDADE. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. LEGITIMIDADE PASSIVA. GRUPO
ECONÔMICO. COMPETÊNCIA. PACTO AJUSTADO NO EXTERIOR. 1. Não se justifica o
acolhimento da preliminar de nulidade da sentença quando a simples insatisfação com o julgado não constitui motivo hábil a amparar o pleito de cassação. 2. A existência de grupo econômico impõe o
dever de um dos integrantes responder à lide ajuizada pelo consumidor, afastando a ilegitimidade
passiva. 3. A Lei 8.078/90 determina que compete à autoridade brasileira processar e julgar as
ações decorrentes de relações de consumo quando o consumidor tiver domicílio no Brasil. 4. A
resolução do contrato por culpa do contratado, que deixou de fornecer os serviços de hospedagem,
acarreta o retorno das partes ao estado anterior e a consequente devolução integral dos valores
pagos pelo contratante. 5. Recurso desprovido."(Acórdão XXXXX, 20160111127292APC, Relator: MARIO-ZAM BELMIRO, 8ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 15/2/2018, publicado no
DJE: 28/2/2018. Pág.: 576/587)
Destarte, verifica-se a competência do Juízo a quo para a processamento e julgamento da presente
demanda consumerista.
Da mesma forma, não há como prosperar a alegação de que a agravante seria parte ilegítima para
figurar no polo passivo da lide.
Necessário esclarecer que, de acordo com a Teoria da Asserção, a verificação das condições da ação
deve ser realizada com base nas afirmações contidas na Petição Inicial. Caso a análise se volte para as provas constantes nos autos, o juízo passa a ter natureza de mérito.
Na situação dos autos, evidencia-se que o exame acerca da legitimidade passiva exige a produção de provas, devendo conduzir ao julgamento de procedência ou improcedência dos pedidos e não à
extinção do processo sem resolução do mérito.
Sobre o tema, lecionam Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero , nos seguintes termos:
parágrafo único, CPC), com extinção do processo sem resolução de mérito (art. 267, VI, CPC).
Todavia, se o órgão jurisdicional, levando em consideração as provas produzidas no processo,
convence-se da ilegitimidade da parte, da ausência de interesse do autor ou da impossibilidade
jurídica do pedido, há resolução de mérito (art. 269, 1, CPC.)” (Código de Processo Civil,
comentado artigo por artigo, 4. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2012, p. 261).
No mesmo sentido, posicionamento do Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, in verbis:
“DIREITO CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. PRELIMINAR REJEITADA. TAXAS CONDOMINIAIS ANTES DA ENTREGA DO IMÓVEL. RESPONSABILIDADE DA
CONSTRUTORA. As questões relacionadas à condição da ação, como a legitimidade passiva, são
aferidas ‘in status assertionis’, ou seja, à luz do que o autor afirma na petição inicial. Ultrapassado este momento e sendo necessária uma cognição mais aprofundada a questão passa a ser de mérito. Embora reconhecida a natureza propter rem da obrigação condominial, tratando-se de imóvel
adquirido na planta, o Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do EREsp 489.647, já consolidou o entendimento segundo o qual"a efetiva posse do imóvel, com a entrega das chaves,
define o momento a partir do qual surge para o condômino a obrigação de efetuar o pagamento das despesas condominiais". É de responsabilidade da construtora suportar as taxas condominiais
geradas pelo imóvel antes de sua efetiva entrega. Apelação desprovida.” (Acórdão n.936295,
20151210065474APC, Relator: HECTOR VALVERDE 6ª TURMA CÍVEL, Data de
Julgamento: 20/04/2016, Publicado no DJE: 26/04/2016. Pág.: 376/425)
Na hipótese em análise, destaque-se que, no mesmo ato em que os agravados firmaram contrato com a LEGENDARY GLOBAL DESTINATIONS S/A, houve adesão ao contrato elaborado pela agravante, conforme documentos acostados à Petição Inicial.
Desta feita, a agravante deve permanecer no polo passivo da lide até a análise da sua responsabilidade contratual, considerando o acervo probatório a ser complementado durante a fase instrutória do
processo.
Contudo, em uma cognição sumária, própria ao processamento do Agravo de Instrumento, constata-se que a agravante não possui poderes de administração ou gerência do contrato assinado pelos
agravados, limitando-se a apenas reservar e disponibilizar a hospedagem em hotéis credenciados.
Demais, todos os pagamentos foram realizados em favor de LEGENDARY GLOBAL
DESTINATIONS S/A.
Dessa forma, não se vislumbra, nesta fase inicial do processo de origem, possibilidade de a agravante cumprir a determinação proferida pelo Juízo a quo, razão pela qual, deve ser afastada a sua
responsabilidade pelo cumprimento da tutela provisória de urgência.
Dispositivo
Diante do exposto, CONHEÇO E DOU PARCIAL PROVIMENTO ao Agravo de Instrumento, a
fim de apenas excluir a responsabilidade da agravante pelo cumprimento da tutela provisória de
urgência deferida pelo Juízo de origem .
É como voto.
O Senhor Desembargador DIAULAS COSTA RIBEIRO - 2º Vogal
Com o relator
DECISÃO
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME.