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- 2º Grau
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Inteiro Teor
Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS
TERRITÓRIOS
Órgão 2ª Turma Criminal
Processo N. APELAÇÃO CRIMINAL 0003279-71.2018.8.07.0008
APELANTE (S) PRISCYLA ABREU DO NASCIMENTO
APELADO (S) MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
Relator Desembargador JAIR SOARES
Acórdão Nº 1282486
EMENTA
Violência doméstica. Tentativa de lesão corporal contra descendente. Desclassificação para vias de
fato. Desacato. Resistência. Direito ao silêncio. Atenuante. Ato injusto da vítima.
1 - Não é nula a sentença se o silêncio da ré não foi considerado como fundamento para a condenação.
2 - Se os depoimentos das testemunhas, na delegacia e em juízo, narrando de forma harmônica, clara e coesa os fatos, não deixam dúvidas quando a tentativa de lesão corporal contra descendente, desacato e resistência, é de se manter a condenação.
3 - Quando a intenção do agente é ofender a integridade física da vítima, não se desclassifica o crime de tentativa de lesão corporal para a contravenção penal de vias de fato, em que a vontade do agente se limita a agredir a vítima, sem lesioná-la, como no caso de tapas, empurrões e puxões de cabelo.
4 – Há desacato na conduta daquele que xinga, desrespeitando e ofendendo os policiais no exercício da função.
5 - O crime de resistência consiste em opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio (art. 329, CP).
6 - O ato de prisão não se restringe ao momento em que o réu é abordado, algemado e colocado na
viatura. Até que se encerre todo o procedimento de lavratura do auto de prisão em flagrante, se o réu
demonstrar resistência de forma ameaçadora ou violenta comete o crime de resistência.
7 - Se a ré não provou ter cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de
ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da
vítima, não incide a atenuante do art. 65, III, c, do CP.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores do (a) 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios, JAIR SOARES - Relator, ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO - 1º Vogal e ROBERVAL CASEMIRO BELINATI - 2º Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador
SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, em proferir a seguinte decisão: NEGAR PROVIMENTO.
UNÂNIME., de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 10 de Setembro de 2020
Desembargador JAIR SOARES
Relator
RELATÓRIO
Priscyla Abreu do Nascimento apela da sentença que a condenou à pena de 9 meses e 5 dias de
detenção, em regime aberto, substituída por uma restritiva de direitos, pelos crimes do art. 129, § 9º,
c/c art. 14, II, art. 329, caput, e art. 331, caput, c/c art. 69, todos do CP – tentativa de lesão corporal
contra descendente, resistência e desacato.
Sustenta que as provas não são suficientes para condenação. Seu silêncio foi interpretado em seu
desfavor. E não foram consideradas as declarações de sua mãe em juízo, no sentido de que os crimes
não ocorreram.
Alega que as testemunhas afirmam que ela agrediu o filho com socos, no entanto, o exame de corpo de delito não atestou lesões. Não há provas da materialidade do crime.
Pede, caso mantida a condenação, seja o crime de tentativa de lesão corporal desclassificado para
contravenção penal de vias de fato, afastada a valoração negativa da culpabilidade e fixada a pena no
mínimo legal.
Acrescenta, quanto ao crime de desacato, que houve abuso de autoridade dos policiais, que a agrediram com um tapa no rosto. Revidou com xingamentos, mas as ofensas não foram em razão de suas funções, mas porque foi agredida. Agiu sob violenta emoção após injusta agressão.
Quanto ao crime de resistência, alega que atípica a conduta, pois foi conduzida à delegacia sem
oferecer resistência e sem algemas.
Somente na delegacia, após ser agredida e provocada pelos policiais, se descontrolou. Porém, se já
estava detida e algemada, não houve resistência.
Diz que os depoimentos dos policiais, não merecem credibilidade, pois a agrediram.
E quanto aos crimes de desacato e resistência, pede seja reconhecida a atenuante genérica do art. 65,
III, c, do CP – crime cometido após injusta provocação da vítima.
do recurso (ID 18468141).
VOTOS
O Senhor Desembargador JAIR SOARES - Relator
Segundo a denúncia, a ré, ao dar socos na cabeça do filho, foi impedida por populares de continuar
com as agressões.
Na delegacia, a ré chutou e deu tapas no policial militar, o desacatou e resistiu à condução, mediante violência (ID 17784247, p. 2).
O policial que participou da prisão em flagrante disse, em juízo, que receberam denúncia de que a ré tinha agredido o filho em um bar.
Ao chegarem ao local, os pais da ré estavam segurando a filha, que estava embriagada e
descontrolada. Os três – ré e pais - rolaram no chão e os pais da ré ficaram com lesões.
Populares informaram que a ré tinha agredido o filho com socos. Uma pessoa protegeu a criança para que a ré não continuasse com as agressões.
Quando foi detida, ainda no bar, a ré resistiu à prisão. Seguraram-na pelos braços e a colocaram na
viatura, mas ela não foi agredida.
Na delegacia, após a chegada das testemunhas, a ré tentou agredi-las. Quando foram contê-la, ela
xingou os policiais, deu um chute nele e um tapa no outro policial (mídias, IDs 17784540/3).
Outro policial acrescentou, em juízo, que a ré estava descontrolada, mas não ofereceu resistência
quando foi detida no bar.
Contudo, na delegacia, após a chegada das testemunhas, ficou muito nervosa e tentou agredi-las,
sendo contida pelos policiais, momento em que resistiu ao ato, dando chutes e tapas nos policiais, e os xingando de “filhos da puta”. A ré falou que o filho era dela, e ela faria com ele o que quisesse.
Afirmou que a ré não foi agredida pelos policiais, apenas contida (mídia, ID 17784545).
A mãe da ré disse, em juízo, que chegou ao bar e puxou sua filha, exigindo que ela retornasse para
casa para cuidar do filho. Em razão da confusão, populares chamaram a polícia, mas não houve
agressão.
Quando os policiais chegaram ao bar, a situação já estava sob controle. Sua filha não havia ingerido
bebida alcoólica e não estava descontrolada.
No bar, o policial agarrou a ré pelo pescoço e, na delegacia, desferiu um tapa no rosto de sua filha,
que sofreu lesão na boca.
A ré ficou algemada no banco da delegacia, com os braços e pernas abertas, e não foi encaminhada ao IML.
Quanto ao depoimento que prestou na delegacia, disse que não leu o termo de declarações (mídias,
IDs 17784556/72).
Na delegacia, a mãe da ré disse que a filha estava descontrolada e, “que durante a confusão, o menor
provavelmente foi atingido, mas não de forma intencional; informou que o tumulto somente fora
controlado com a chegada da guarnição da polícia militar” (ID 17784248, p. 5).
A primeira testemunha afirmou, em juízo, que estava no bar, na mesa ao lado da ré.
A ré levantou e deu vários murros no filho, que começou a chorar. Vários populares intervieram e
uma pessoa puxou a criança para protegê-la.
Quando os policiais chegaram, a ré ainda estava descontrolada. Xingou os policiais e resistiu à prisão. Na delegacia o comportamento da ré piorou. Tentou agredir o policial e o xingou, que revidou dando um tapa no rosto da ré (mídias, IDs 17784573/80).
A segunda testemunha disse, em juízo, que estava sentada na mesa em frente a da ré.
A mãe da ré apareceu, na companhia do neto, exigindo que a ré, que estava bêbada, voltasse para casa para cuidar do filho. Elas discutiram e a ré gritou, dizendo “não sei pra quê que tenho essa desgraça” e deu um murro na cabeça da criança.
Na sequência, a ré deu outro soco na cabeça do filho, momento em que vários populares se
aproximaram e a depoente puxou a criança para protegê-la. O garçom retirou a ré do local, mas ela
continuou discutindo com a mãe do lado de fora, tendo as duas rolado no chão.
A ré, descontrolada, dizia a todo tempo que o filho era uma desgraça e que o mataria, pois ele era um empecilho na vida dela.
Telefonou para polícia. Quando os policiais chegaram, a ré se jogou no chão e se debateu, para não ser detida. Mas nenhum policial agarrou o pescoço da ré.
Na delegacia, a ré xingou os policiais e deu um chute em um deles, que revidou com um tapa no rosto dela (mídias, IDs 17784581/91).
A ré não foi ouvida na delegacia, em razão do seu estado de embriaguez (ID 17784248, p. 6). Em
juízo, confirmou que a vítima do crime de tentativa de lesões corporais é seu filho e exerceu o direito de permanecer em silêncio (mídia, ID 17784545).
Laudo de exame de corpo de delito não atestou lesões no filho da ré (ID 17784510, p. 1/2).
Não obstante o silêncio da ré, na delegacia e em juízo, há prova suficiente de sua autoria nos crimes.
Expressão da autodefesa, o direito ao silêncio decorre do direito do acusado de não se autoincriminar. O exercício do direito ao silêncio não representa confissão ficta ou falta de defesa e não pode ser
utilizado como argumento a favor da acusação.
Após examinar as provas, a sentença consignou que os depoimentos das testemunhas são suficientes
para condenação. Acrescentou que “A acusada, podendo contradizer os fatos, permaneceu em
silêncio.” (ID 17784604, p. 3).
A sentença não utilizou o silêncio da ré como fundamento para a condenação. Apenas consignou que, produzidas provas contra ela, a ré não logrou êxito em invalidá-las.
O uso do direito ao silêncio não beneficiou a ré nem foi usado em seu prejuízo.
A mãe da vítima apresentou versões que se contradizem. E, ainda que considerado apenas o
depoimento que prestou em juízo, suas declarações não são harmônicas e não descrevem com
coerência a dinâmica dos fatos.
Não soube esclarecer o motivo de os populares terem telefonado para polícia. Afirmou que apenas
discutiu com a filha e que essa não estava embriagada nem descontrolada, o que não condiz com as
provas dos autos.
Nítida, portanto, sua intenção de proteger a filha, eximindo-a de responsabilidade.
As testemunhas que presenciaram os fatos disseram que a vítima deu socos na cabeça do filho, só
parando as agressões após intervenção de populares.
As provas, portanto, não deixam dúvidas de que a intenção da ré era ofender a integridade física do
filho, só não conseguindo consumar o crime porque impedida por populares. Cometeu, portanto,
tentativa de lesão corporal contra descendente.
Sua conduta não se confunde com a contravenção penal de vias de fato, quando a vontade do agente
se limita a agredir a vítima, sem lesioná-la, como no caso de tapas, empurrões e puxões de cabelo.
E o crime foi cometido contra o filho da vítima, conforme se extrai do depoimento da própria ré, e
pelos documentos do ID 17784521, p. 21, 31 e 36.
Não é o caso de absolvição nem desclassificação da conduta. Deve ser mantida a condenação pelo
crime do art. 129, § 9º, c/c art. 14, II, todos do CP.
Quanto ao crime de resistência, não há dúvidas de que a ré ofereceu resistência na delegacia, ao atacar os policiais com chutes e tapa no rosto.
A alegação da defesa de que a violência e ameaça não ocorreu no momento da prisão da ré, mas
posteriormente, sendo, portanto, a conduta atípica, não merece acolhimento.
O crime de resistência consiste em opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a
funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio (art. 329, CP).
O ato de prisão não se restringe ao momento em que o réu é abordado, algemado e colocado na
viatura. Até que se encerre todo o procedimento de lavratura do auto de prisão em flagrante, se o réu demonstrar resistência de forma ameaçadora ou violenta cometerá o crime de resistência.
Segundo as testemunhas, a ré estava descontrolada e resistiu à prisão quando ainda estava no bar. Na delegacia, ao ver as testemunhas, tentou agredi-las e, ao ser contida pelos policiais, os chutou, deu
tapas e os xingou.
A violência foi cometida pela ré durante a execução de ato legal – no bar, quando foi detida, e na
delegacia, na lavratura do auto de prisão em flagrante.
E nada nos autos corrobora a alegação de que a ré agiu em legítima defesa após ter levado tapa no
rosto de policial.
Segundo as testemunhas, o policial deu um tapa no rosto da vítima revidando agressão dela – chutes e tapas. Ou seja, o policial agiu em resposta a injusta agressão da vítima, e não o contrário.
A ré também xingou os policiais de “filhos da puta”, no exercício de suas funções, com finalidade de desrespeitar, ofender e menosprezar os agentes públicos no exercício de suas funções.
E como já exposto, a ré quem provocou, xingou e agrediu os policiais, tendo um deles revidado com um tapa em seu rosto.
Ademais, não se exige tranquilidade e reflexão por parte do autor do crime de desacato. O estado de
ira, paixão ou forte emoção precede ou é concomitante à prática do delito. E não afasta a tipicidade da conduta (art. 28, I, do CP).
Ressalte-se que os depoimentos dos policiais não foram usados de forma isolada para amparar o
decreto condenatório. Os crimes foram presenciados por testemunhas que narraram os fatos de forma harmônica e coerente entre si, nas duas vezes em que ouvidas – na delegacia e em juízo.
E a agressão do policial contra a ré não é objeto dessa ação penal. Deve ser apurada em procedimento próprio.
Provado que a ré cometeu os crimes dos arts. 329 e 331 do CP, não é o caso de absolvição.
Individualização da pena.
Quanto ao crime de tentativa de lesão corporal contra descendente, na primeira fase, a sentença
valorou negativamente a culpabilidade, elevou a pena mínima em 1/6 e fixou a pena-base em 3 meses e 15 dias de detenção.
A culpabilidade, na individualização da pena, compreende juízo de reprovabilidade da conduta --
maior ou menor censurabilidade do comportamento do réu. Justifica-se a valoração desfavorável da
culpabilidade se o juízo de reprovação supera o inerente ao do próprio tipo penal.
As provas não deixam dúvidas de que a maneira como a ré agiu extrapolou o tipo penal do crime,
levando à maior censurabilidade da conduta e à valoração negativa da culpabilidade.
A ré, descontrolada, dizia a todo tempo que o filho era uma desgraça e que o mataria, pois ele era um empecilho para a vida dela.
Mantenho, pois, a valoração negativa da culpabilidade e a pena-base em 3 meses e 15 dias de
detenção.
Na segunda fase, sem atenuantes e agravantes, a pena intermediária foi mantida em 3 meses e 15 dias de detenção.
Sem causas de aumento e presente a causa de diminuição relativa à tentativa, a pena foi reduzida na
fração máxima – 2/3 -, pelo que mantenho a pena definitiva em 1 (um) mês e 5 (cinco) dias de
detenção.
Quanto aos crimes de resistência e desacato, inexistentes circunstâncias judiciais desfavoráveis,
mantenho as penas-base no mínimo legal – 2 meses de detenção para o crime de resistência e 6 meses de detenção para o de desacato.
Na segunda fase, sem agravantes. Pede a defesa seja reconhecida a atenuante genérica do art. 65, III,
c, do CP - crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade
superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima.
A ré xingou os policiais, chutou e deu tapas no rosto deles. Um deles revidou com um tapa no rosto da ré. Não houve, portanto, previamente aos xingamentos e à resistência, ato injusto dos policiais.
Não incide a atenuante do art. 65, III, c, do CP.
Sem causas de aumento e diminuição, mantenho as penas definitivas no mínimo legal – 2 (dois) meses de detenção para o crime de resistência e 6 (seis) meses de detenção para o de desacato.
totalizando 9 (nove) meses e 5 (cinco) dias de detenção.
O regime prisional é o aberto (art. 33, § 2º, c, CP).
Preenchidos os requisitos do art. 44 do CP, mantenho a substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, a ser fixada pelo juiz da Vara de Execuções Penais.
Nos termos da Portaria Conjunta 60, de 9 de agosto de 2013, do TJDFT, a condenação pelo crime
contra administração pública deve ser incluída no Cadastro Nacional de Condenados por ato de
improbidade administrativa e por ato que implique inelegibilidade – CNCIAI, instituído pelo CNJ.
Nego provimento.
O Senhor Desembargador ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO - 1º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador ROBERVAL CASEMIRO BELINATI - 2º Vogal
Com o relator
DECISÃO
NEGAR PROVIMENTO. UNÂNIME.